A grande polêmica sobre uma enorme reserva
José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
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Índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol participam de protesto, na Praça dos Três Poderes |
A complexa trama de interesses por trás das condições de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que será julgada em definitivo pelo STF (Supremo Tribunal Federal), provavelmente no primeiro semestre de 2009, vai muito além da questão indígena e conflitos de terra. Envolve política, ideologia e coloca, frente a frente, o Brasil de ontem e o de amanhã, que, como índios e brancos, teimam em não se reconciliar.
No último dia 10 de dezembro, o STF decidiu em favor dos índios pela demarcação contínua da região e a retirada dos não-índios, incluindo um grupo de arrozeiros que entraram com ações na Justiça para tentar permanecer no local.
Porém, a decisão da mais alta instância do Poder Judiciário no Brasil veio acompanhada por um conjunto de 18 ressalvas, cujos principais itens dizem respeito ao impedimento de garimpagem e de cobrança de taxas de entrada na área por parte dos índios, práticas observadas em outras reservas. Estas diretrizes também serão discutidas pelos ministros do Supremo.
O que os magistrados devem confirmar é a posse de terra para os índios, mas com garantias de vigência da autoridade do Governo Federal, que não pode deixar as tribos por conta própria.
No centro do debate está uma área de aproximadamente 1,7 milhão de hectares (quase duas vezes maior que Porto Rico e 12 vezes a cidade de São Paulo), que faz fronteira com Venezuela e Guiana. No local vivem em torno de 19 mil índios de cinco etnias diferentes.
Além da disputa pelo cultivo da terra, a região é rica em minérios e possui garimpos irregulares de ouro e diamantes. Tais ingredientes, adicionados a uma histórica falta de planejamento de políticas de integração, vêm provocando o acirramento dos conflitos em todo país nos últimos anos, muitas vezes resultando em mortes.
A reserva Raposa Serra do Sol só foi demarcada, isto é, fixados os limites da propriedade que seria concedida aos índios, no governo de Fernando Henrique Cardoso em 1998, e homologada - ou seja, autorizada - em 2005, pelo presidente Lula.
No começo dos anos 90, porém, ao mesmo tempo em que foi iniciada a remoção e pagamento de indenizações a pequenos e médios agricultores do domínio, seis arrozeiros expandiram suas lavouras e recorreram à Justiça para impedir a desocupação.
Eles são proprietários de oito fazendas que ocupam 15 mil hectares (aproximadamente 1% da reserva) e movimentam parte da economia do Estado.
Apesar do parecer do STF favorável aos índios, os produtores de arroz foram autorizados a continuarem na região até que o caso seja apreciado no próximo ano. Neste ínterim, especialistas temem o aumento da tensão entre os grupos em conflito.
A população indígena conta com o apoio de ONGs nacionais e estrangeiras, Funai (Fundação Nacional do Índio), Igreja Católica, antropólogos e entidades internacionais. Entre eles, porém, há dois grupos com pontos de vistas contraditórios: um que luta pela demarcação contínua e outro, menor, que apóia a demarcação descontínua - que mantém os não-índios - e a conservação das fazendas. Para estes últimos, as lavouras de arroz e os garimpos representam importantes fontes de renda.
Já do lado dos agricultores estão políticos e o governo de Roraima. De acordo com o governo, a produção de arroz nas fazendas perfaz 6% da economia local, contando com a exportação do produto para Estados do Norte. E, além disso, os negócios servem de incentivo para atrair mais investimentos agrícolas para a região.
Já a outra parte sustenta a demarcação em "ilhas" - as tribos teriam parte da reserva, os arrozeiros, outra -, o que garantiria a presença dos não-índios, além de toda estrutura criada com municípios e rodovias.
O Estado também alega razões econômicas para a presença dos arrozeiros, uma vez que a saída vai gerar desemprego e afetar atividades comerciais da Capital, Boa Vista, e a oferta do grão no Norte do país.
Críticos da demarcação contínua argumentam ainda que os índios já ocupam 46% de Roraima e estão aculturados (ou seja, já vivenciam a cultura do "homem branco" e, segundo eles, se "fantasiam" de índios para a mídia). A reserva, para estes contestadores, criaria uma "nação indígena", como se fosse um país estrangeiro em pleno território nacional. Em resumo, defendem o espaço para as tribos, desde que sob normas que garantam maior integração.
Os que apóiam a proposta em juízo afirmam que os 54% do espaço restante no Estado - muito pouco habitado, por sinal - é suficiente para acomodar os não-brancos e que, além disso, nada impediria os fazendeiros de se reinstalarem em áreas fora da reserva com o dinheiro de indenizações pagas pela União, assegurando a indústria do arroz em Roraima. Eles argumentam que a posse da terra, afiançada por lei e por direito de ancestralidade, estaria sendo emperrada por interesses comerciais e políticos de uma elite. Por fim, defendem não somente os direitos dos povos indígenas às terras demarcadas como a autonomia da reserva.
Fora da esfera judicial, é urgente aproximar dois países chamados Brasil: um perdido no tempo, esquecido pelo governo e entregue a disputas sangrentas por terras. O outro, uma economia emergente do século 21 e reconciliada com o passado e seu legado étnico.
No último dia 10 de dezembro, o STF decidiu em favor dos índios pela demarcação contínua da região e a retirada dos não-índios, incluindo um grupo de arrozeiros que entraram com ações na Justiça para tentar permanecer no local.
Porém, a decisão da mais alta instância do Poder Judiciário no Brasil veio acompanhada por um conjunto de 18 ressalvas, cujos principais itens dizem respeito ao impedimento de garimpagem e de cobrança de taxas de entrada na área por parte dos índios, práticas observadas em outras reservas. Estas diretrizes também serão discutidas pelos ministros do Supremo.
O que os magistrados devem confirmar é a posse de terra para os índios, mas com garantias de vigência da autoridade do Governo Federal, que não pode deixar as tribos por conta própria.
No centro do debate está uma área de aproximadamente 1,7 milhão de hectares (quase duas vezes maior que Porto Rico e 12 vezes a cidade de São Paulo), que faz fronteira com Venezuela e Guiana. No local vivem em torno de 19 mil índios de cinco etnias diferentes.
Além da disputa pelo cultivo da terra, a região é rica em minérios e possui garimpos irregulares de ouro e diamantes. Tais ingredientes, adicionados a uma histórica falta de planejamento de políticas de integração, vêm provocando o acirramento dos conflitos em todo país nos últimos anos, muitas vezes resultando em mortes.
Origens da discórdia
Roraima, Estado menos populoso do país com 395.725 habitantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi criado pela Assembléia Constituinte de 1988, mas as terras não foram regularizadas e transferidas para o governo estadual. Hoje, na prática, entre áreas de preservação ambiental, reservas indígenas e áreas controladas pelo Exército e Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Estado conta com estimados 20% do território.A reserva Raposa Serra do Sol só foi demarcada, isto é, fixados os limites da propriedade que seria concedida aos índios, no governo de Fernando Henrique Cardoso em 1998, e homologada - ou seja, autorizada - em 2005, pelo presidente Lula.
No começo dos anos 90, porém, ao mesmo tempo em que foi iniciada a remoção e pagamento de indenizações a pequenos e médios agricultores do domínio, seis arrozeiros expandiram suas lavouras e recorreram à Justiça para impedir a desocupação.
Eles são proprietários de oito fazendas que ocupam 15 mil hectares (aproximadamente 1% da reserva) e movimentam parte da economia do Estado.
Apesar do parecer do STF favorável aos índios, os produtores de arroz foram autorizados a continuarem na região até que o caso seja apreciado no próximo ano. Neste ínterim, especialistas temem o aumento da tensão entre os grupos em conflito.
Política
A questão da demarcação das terras, contudo, não opõe somente índios e fazendeiros. Há outros interesses envolvidos e, mesmo entre os índios, existem divergências quanto à convivência ou isolamento em relação aos não-índios.A população indígena conta com o apoio de ONGs nacionais e estrangeiras, Funai (Fundação Nacional do Índio), Igreja Católica, antropólogos e entidades internacionais. Entre eles, porém, há dois grupos com pontos de vistas contraditórios: um que luta pela demarcação contínua e outro, menor, que apóia a demarcação descontínua - que mantém os não-índios - e a conservação das fazendas. Para estes últimos, as lavouras de arroz e os garimpos representam importantes fontes de renda.
Já do lado dos agricultores estão políticos e o governo de Roraima. De acordo com o governo, a produção de arroz nas fazendas perfaz 6% da economia local, contando com a exportação do produto para Estados do Norte. E, além disso, os negócios servem de incentivo para atrair mais investimentos agrícolas para a região.
Prós e contras
Entre os pontos em discussão na reserva está a demarcação: contínua ou fragmentada? Os que defendem a demarcação contínua, quer dizer, cobrindo toda área, são índios que querem viver apartados do convívio com os "brancos". Eles têm o aval de especialistas que acreditam ser esta a única forma de preservar seus costumes (como o sistema de trocas entre as tribos) e evitar atritos com fazendeiros.Já a outra parte sustenta a demarcação em "ilhas" - as tribos teriam parte da reserva, os arrozeiros, outra -, o que garantiria a presença dos não-índios, além de toda estrutura criada com municípios e rodovias.
O Estado também alega razões econômicas para a presença dos arrozeiros, uma vez que a saída vai gerar desemprego e afetar atividades comerciais da Capital, Boa Vista, e a oferta do grão no Norte do país.
Críticos da demarcação contínua argumentam ainda que os índios já ocupam 46% de Roraima e estão aculturados (ou seja, já vivenciam a cultura do "homem branco" e, segundo eles, se "fantasiam" de índios para a mídia). A reserva, para estes contestadores, criaria uma "nação indígena", como se fosse um país estrangeiro em pleno território nacional. Em resumo, defendem o espaço para as tribos, desde que sob normas que garantam maior integração.
Os que apóiam a proposta em juízo afirmam que os 54% do espaço restante no Estado - muito pouco habitado, por sinal - é suficiente para acomodar os não-brancos e que, além disso, nada impediria os fazendeiros de se reinstalarem em áreas fora da reserva com o dinheiro de indenizações pagas pela União, assegurando a indústria do arroz em Roraima. Eles argumentam que a posse da terra, afiançada por lei e por direito de ancestralidade, estaria sendo emperrada por interesses comerciais e políticos de uma elite. Por fim, defendem não somente os direitos dos povos indígenas às terras demarcadas como a autonomia da reserva.
Conseqüências
A decisão final dos ministros deve servir de base para outras ações de homologação de terras indígenas que tramitam na Suprema Corte, e também orientar demarcações de futuras reservas.Fora da esfera judicial, é urgente aproximar dois países chamados Brasil: um perdido no tempo, esquecido pelo governo e entregue a disputas sangrentas por terras. O outro, uma economia emergente do século 21 e reconciliada com o passado e seu legado étnico.
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